No mesmo instante em que eu, aqui e agora,
Limpo o suor e fujo ao Sol ardente,
Outros, outros como eu, além e agora,
Estremecem de frio
e em roupas se agasalham.
Enquanto o Sol assoma, aqui, no horizonte,
E as aves cantam e as flores em cores se exaltam,
Além, no mesmo instante, o mesmo Sol se esconde,
As aves emudecem e as flores cerram as pétalas.
Enquanto eu me levanto e aqui começo o dia,
Outros, no mesmo instante, exactamente o acabam.
Eu trabalho, eles dormem; eu durmo, eles trabalham.
Sempre no mesmo
instante.
Aqui é Primavera. Além é Verão.
Mais além é Outono. Além, Inverno.
E nos relógios igualmente certos,
Aqui e agora,
O meu marca
meio-dia e o de além meia-noite.
Olho o céu e contemplo as estrelas que fulgem.
Busco as constelações, balbucio os seus nomes.
Nasci a olhá-las, conheço-as uma a uma.
São sempre as
mesmas, aqui, agora e sempre.
Mas além, mais além, o céu é outro,
Outras são as estrelas, reunidas
Noutras
constelações.
Eu nunca vi as deles;
Eles,
Nunca viram as
minhas.
A Natureza separa-nos.
E as naturezas.
A cor da pele, a altura, a envergadura,
As mãos, os pés, as bocas, os narizes,
A maneira de olhar, o modo de sorrir,
Os tiques, as
manias, as línguas, as certezas.
Tudo.
Afinal
Que haverá de comum
entre nós?
Um ponto, no infinito.
António Gedeão
Poemas Escolhidos
Lisboa, Sá da Costa, 2001
Referência bibliográfica: http://cvc.instituto-camoes.pt/poemasemana/29/primavera3.html (14/09/2016)